domingo, 27 de março de 2011

Pato Malato





Vergílio Alberto Vieira


Reside em Lisboa e é professor na Escola Passos Manuel.

Nasceu em Amares (Braga, em 1950,) e tirou curso de letras na Universidade do Porto.

v Publicou mais de 50 livros (poesia, ficção, teatro, ensaio, crítica, diário)

v Prefere escrever para um público infanto-juvenil.

v Os seus livros estão traduzidos em castelhano, galelo, búlgaro.

v Tem sido jurado em vários concursos literários.

v O Humor é também marcante na escrita deste autor.

v Dedica-se a temas sobre a natureza e a protecção do ambiente nos seus poemas.

Bibliografia (Obras)

v O último trabalho publicado em 2007 foi o livro “Para não quebrar o encanto”

Escreveu outros livros como:

v “ Paisagem com trenó e neve ao fundo” (2005)

v “A revolução das letras o 25 de Abril explicado às crianças” (2004)

v “Do Alto do Cavalo Azul” (200)

v “Histórias dos pés à cabeça”


Pato Malato


O Pato

Matato

Perdeu

um sapato.

“Decerto

não bato

-pensou,

da cachola!

Que dirão

de mim

os patos

na escola?”

“Que sou

idiota

- claro!

Que é falta

de tola

do pato

Malato

que anda

na escola,

e por este

andar

talvez só

por esmola

terá de passar!

Escritor

Vergílio Alberto Vieira

(texto inédito)

Comentário ao texto de Vergílio Alberto Vieira

Trata-se de um texto curto, mas interessante. Tem rima e, ao brincar com as palavras, o poeta pertende que o aluno estude para conseguir passar de ano.


Aluna

Sónia Dantas

quinta-feira, 17 de março de 2011

O SAPO FELIZ -JOSÉ ANTÓNIO FRANCO

Escritor José António Franco



Imagem - David Parente

Era uma vez um sapo. Gordo e enorme. Diferente!

Quando apareceu na cidade, as pessoas, embasbacadas, não resistiam à tentação de olhar para ele uma, outra e outra vez ainda. Desproporcionado e repugnante, ele era, no entanto, tão alegre e transbordava uma tal confiança que se tornava deslumbrante.

Um dia, sem explicação para o sorriso tranquilo com que o sapo gordo e diferente cumprimentava as pessoas que se cruzavam com ele na rua, um menino interpelou-o:

— Olhe lá, sr. Sapo, como é que consegue ser tão simpático e feliz com esse corpo tão feio e disforme?

— Eu sou diferente porque gosto muito de aparas de lápis que, como se sabe, contêm todas as vitaminas das palavras. Quando eu como aparas de lápis aprendo tanto, tanto, tanto, que a minha memória incha, incha, incha como um balão de brincar; quanto mais aprendo, mais feliz me sinto e quanto mais feliz, mais gosto de aprender e mais aparas de lápis devoro. Um destes dias vou mesmo rebentar, não por saber muito, mas de felicidade por nunca ter desistido de aprender.

Mas não estoirou: o sapo diferente agora rebola. De felicidade!

E tem amigos por toda a cidade. Devoradores, como ele, de aparas de lápis.

Escritor

José António Franco

domingo, 13 de março de 2011

A FOLHA QUE NÃO CAIU

Imagem de Claúdia Franco


Todos os dias vou à floresta, mas não é todos os dias que se encontra uma folha com patas de lobo. Quando a vi, pareceu-me uma folha igual a todas as folhas que, no outono, caem das árvores e se acumulam na terra. Quando chove, essas folhas transformam-se num tapete castanho que se confunde com a terra e nos permite andar em cima dele como se estivéssemos em casa. Então, lembro-me que a floresta já foi, noutras épocas antigas, a casa do homem. Hoje, porém, é um mundo que nos é estranho. E quando nos contam histórias como a do Capuchinho Vermelho, que encontrou um lobo no meio das árvores quando ia para casa da avó e se demorou a conversar com ele, ou como a história do Polegarzinho que foi abandonado noutra floresta, com os irmãos, e só por ter sido muito esperto se salvou, a ele e aos irmãos, das mãos da bruxa que os queria devorar, ficamos a saber que a floresta não é um sítio simpático para nos perdermos.

Mas quando encontrei esta folha com patas de lobo não foram estas histórias que me vieram à cabeça, mas sim a necessidade de saber por que razão uma folha precisa de se transformar em lobo e vir ter comigo. A primeira questão, no entanto, foi a de saber em que língua poderia falar com uma folha. Não sabemos já a língua da natureza. Quando está vento, e o ar passa por entre as folhas da árvore, ouvimo-las dizer coisas que não entendemos, a que um poeta chamou há muito tempo a linguagem dos símbolos. Mas esta folha com patas de lobo não me parecia ser um símbolo. Podia perguntar-lhe isso mesmo:

- Acaso tu, folha com patas de lobo, és um símbolo?

E ficaria muito admirado ao ouvi-la responder:

- E o que é um símbolo?

O que isto significa é tão simples como isto: afinal, esta folha com patas de lobo fala a mesma língua que eu. E poderia continuar a conversa:

- És uma das folhas que caiu com o outono? Por que não ficaste no chão, como todas as outras folhas que caem com o outono?

E a folha com patas de lobo respondeu:

- Se tivesse ficado no chão, a chuva misturar-me-ia a todas as outras folhas e acabaria por apodrecer com elas, até me transformar nesse húmus que alimenta a terra para que outras árvores nasçam, e nos seus ramos nasçam outras folhas que hão-de cair, no outono, para que tudo se repita.

Percebi que esta folha tinha patas de lobo porque não queria ser igual a todas as outras folhas que caem com o outono. Afinal, esta folha era um símbolo. Ao não querer ser como as outras, queria mostrar a sua diferença. O meu problema, agora, era outro. Ao falar com esta folha com patas de lobo eu estava a pisar todas as folhas que tinham caído, com o outono, e me faziam andar na floresta como se estivesse a pisar um tapete. E se todas essas folhas fossem como aquela folhas com patas de lobo, e também quisessem ser diferentes umas das outras? Imaginei que havia folhas a saírem debaixo dos meus pés, umas com patas de elefante, outras com patas de tigre, outras com patas de todas as raças de cães e de gatos, e ainda folhas como peixes a correrem para dentro da água de todos os ribeiros que passam nas florestas. No fim de tudo, eu estaria rodeado por todas essas folhas com as patas de todos os animais possíveis, para além das folhas que ganhariam asas e iriam levantar voo como os pássaros que também enchem o céu sobre as florestas.

E acabei a pedir à folha com patas de lobo que deixasse de ser um símbolo e voltasse a ser uma folha, como as outras, e caísse no chão, como todas as folhas do outono. A folha com patas de lobo olhou para mim, fingiu que não tinha ouvido nada do que lhe disse, e correu para dentro da floresta, com as suas patas de lobo, deixando-me sozinho a pisar todas as folhas que atapetavam o meu caminho na floresta onde não voltei a encontrar nenhuma outra folha com patas de lobo, mas onde todas as folhas caídas se mexiam como se fossem símbolos da folha que tinha fugido de mim com as suas patas de lobo.

Poeta Nuno Júdice

Um amor



Nuno Júdice




Escritor, poeta e ensaísta português, natural de Mexilhoeira Grande, Portimão. Estudou Filologia Românica na Universidade de Lisboa, vindo depois a ser professor do ensino secundário. Actualmente, é professor da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989 com uma tese sobre Literatura Medieval.
Tem livros traduzidos em Espanha, Itália, Venezuela, Inglaterra e em França.




Algumas obras publicadas:


  • ϖ A Noção do Poema, 1972
  • ϖ A Partilha dos Mitos, 1982
  • ϖ Flores de Estufa, 1993
  • ϖ As Coisas Mais Simples, 2006


Um Amor

Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão,
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Nuno Júdice, in "A Partilha dos Mitos"


Comentário

Este poema fala-nos sobre o amor, não um amor qualquer, mas um amor marcante e verdadeiro que deixa no sujeito poético a estranha sensação de que, apesar da ausência, a pessoa amada permanece bem vincada no seu coração e na sua vida. Partiu, mas deixou um rasto…uma amada recordação!

Amar é sentir que estamos sempre ao lado de quem gostamos, independentemente das circunstâncias da vida.



Cláudia Franco